A não saudade de ser publicitário

Gabriel Schulz
4 min readFeb 22, 2023

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A saudade é sentimento perigoso, você se pega num círculo de vontades e carências que acha que é bom, mas no fundo é um estalo mental que uma hora vai passar. Foi o que me aconteceu ao sentir uma saudade de estar dentro de uma agência de publicidade e vivenciar de novo o dia a dia maluco que este lugar proporciona.

Estava em um grupo discutindo sobre um erro de arquivo de áudio que no site estava dando erro. Foi algo simples de resolver, todos alegres com a rápida resolução. Mas aí me veio umas memórias que se transformaram em saudades. E na mesma velocidade que o problema foi solucionado, a saudade foi embora.

Deus me livre e me guarde ao me colocar de novo nessa situação de publicidade. Um furacão de estresse diário, gritaria, choros e pizzas de madrugada. Por que veio esta saudade?

(Mais uma vez agradecendo a Deus por ter sido algo repentino, já passou, já passou).

Lá em meados de 2000 e bolinhas eu me via o próximo Don Draper*, o próximo Maior Diretor de Criação que esta terra seca haveria de ter. Brasília não é o epicentro publicitário do Brasil, mas aqui se encontra a maior concentração de licitações governamentais para agências. Então, temos sim um grande mercado. Mas é o lugar que o Mufasa fala para o Simba não ir. E eu me enfiei neste buraco com muita vontade, afinal, publicidade é: glamour, prêmios, cerveja no expediente, energético e pizzas.

Era o que meu eu jovem pensava, buscava e conquistava. Ele só esquecia que o desgraçamento mental chegaria com a conta, uma conta cheia de dores de cabeça, sonos perdidos e sonhos derrotados. Eu não me importava, pois eu era o garoto criativo dos meus grupos de amigos, nossa como ele pensa diferente.

Foto de Fox na Unsplash

Eu trabalhava em um prédio que tinha mais de 3 agências, então na hora do almoço era aquele desfile de pessoas diferenciadas, estilosinhas, blasès que no fundo todo mundo cafona e irônico com nenhuma graça. Porque quando, todo mundo se juntava no fast food que ficava no shopping perto do prédio, virava só mais um grupo de jovens achando que mudariam o mundo com suas ideias para uma franquia de lojas de itens esportivos.

Nós dávamos risadas do clichê do publicitário paulista, mas você, espectador de fora, quando observava o fenômeno, era uma versão brasiliense do maior dos clichês: o publicitário.

Acredito que com minha rotina atual mais tranquila, de trabalho remoto e demandas menos frenéticas trouxe uma estabilidade emocional que eu não estava preparado. Uma vontade de ter uma adrenalina semanal, chorar com a redatora no banheiro porque nenhum dos dois sabe o que fazer com o cliente maluco que odeia todas as nossas ideias e isso está complicando a nossa vida pessoal.

Ou a união do time de criação todinho na sala de reunião para decidir os rumos da nova campanha nacional, se o tom vai ser engraçadola porque está na moda as redes sociais irônicas ou se vai ser um tom mais sóbrio porque as mídias offline dão mais retorno.

Foram tempos bons, o descompromisso com a própria saúde porque éramos jovens criativos e quanto mais insalubre você se alimentava mais descolado você era. Trabalhar de bermuda, boné e camisa nerd enquanto o resto de Brasília ou estava em cursinho para concurso público ou estagiando na Defensoria Pública de roupa social.

Eu, na transição dos 18 para o início dos 20 anos, achava que o mundo estava nas minhas mãos. Que minha capacidade de resolver problemas criativos era o meu maior poder. Dominar o Photoshop, produzir piadas, te convencer a contratar um plano de assinatura de um serviço mais ou menos e ainda por cima disso tudo, ganhar dinheiro com isso,

Uau como sou incrível!

Realmente sou

-humildade-

Todo esse processo frenético que é ser publicitário me trouxe grandes histórias. Conheci pessoas de todos os tipos e manias. Ri e chorei com elas, passamos por dores em conjunto. Dividimos pizza, cerveja e intimidades familiares e isso nos fez criar peças boas.

Hoje, algumas dessas pessoas conquistaram o glamour daquela época. Ganharam prêmios e ainda estão neste ritmo. Eu saí disso, foi bom enquanto passei. Claro, nunca mais quero pisar em uma agência de publicidade na minha vida. A saudade já passou. Matei-a com este texto.

*Don Draper: personagem fictício de uma série baseada nos tempos dourados da publicidade americana dos anos 50–70.

A série é Mad Men da HBO (que se baseia nas histórias do livro Mad Men: Comunicados do front publicitário — Jerry Della Femina). A série você pode encontrar, uau sabe onde? Sim, HBO Max.

Revisão por Dona Angélica Pereira Schulz

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