A W3 norte tem terraços

Parte 1 — sentimentos de uma espera na barraquinha de dog de rua

Gabriel Schulz
3 min readApr 18, 2023

Em alguns lugares de Brasília é tranquilo quando você estiver andando à noite e se deparar com uma barraquinha de cachorro quente. Inclusive, um dos símbolos da cidade são essas barraquinhas que dão cara e rosto a uma cidade que recebeu o Brasil inteiro. Seja o Bomba, os 11 irmãos ou o dog da Igrejinha, um fato é: essa cidade que passa metade do ano não chovendo nos permite ter essas barraquinhas a cada não-esquina (sim, não temos esquina mesmo tendo em vários lugares. Ironia não?).

Estou aqui em plena W3 norte, já passou do horário comercial e os ônibus que passam nesta avenida estão fazendo suas últimas rotas para trabalhadores muito cansados. Está fresco, o verão acabou e levou suas chuvas embora. Mesmo com um dia bem quente é possível sentir uma agradável brisa vinda do mar inexistente do quadradinho.

W3 sul nos anos 60 — Histórias de Brasília | Brasília DF | Facebook (eu sei que a imagem é da w3 sul e o texto é na norte, mas não achei uma foto que representasse tão bem o que senti, essa aí conseguiu).

Estou cansado e com fome. Mantenho a paciência enquanto meu pedido é feito. É uma barraquinha de porte maior, eles fazem outras comidas de rua. De hambúrgueres a uma pratada de macarrão bolonhesa. Então, são muitos pedidos e mesmo com três chefs dá para ver que é uma barraquinha movimentada.

Adolescentes (como eles estão ali nessa hora da noite eu não sei), homens com uniformes e chuteiras (com certeza após o tradicional futebol da semana), casais e amigos. E, mais tarde, eu sei que as profissionais da noite vão dar uma passada aqui.

O pedido demora, o que é bom, me fez perceber situações ao meu redor. Enquanto os barulhos dos ônibus engatando marchas porque o sinal abriu, percebo uns sons de metais acima da minha cabeça. Essa barraquinha fica numa não-esquina e o prédio de cima tem um terraço.

Neste terraço acontece algo incrível: pessoas improvisando música, uma tentativa de jazz, mas estava para uma bossa nova. Metais, cordas e lá no fundo algumas risadas. Dá para ver que é um último andar com acesso ao terraço do prédio. Com certeza jovens brasilienses com suas samambaias na escada, espadas de são jorge enfeitando a noite da asa norte.

Passou na minha frente uma moça com seu case de, talvez, um banjo? Um cavaquinho? Não sei, só sei que ela pegou o celular mas logo o deixou de lado, porque tinha chegado no destino: a música mostrava a localização e pelo sorriso dela, a noite ia ser boa. Isso de repente me lembrou de um documentário sobre esses prédios da W3 norte. São pessoas que estão no coração de Brasília, mas que parecem estar deslocadas da própria cidade. As personagens do filme são tão brasilienses quanto os moradores das tradicionais quadras do Plano Piloto.

O som é agradável e vou batucando na mesa numa tentativa de acompanhar o ritmo. Essas pequenas movimentações no início da noite da W3 vão dando sinais de que Brasília tem o seu jeitinho de ser. É a forma que a própria cidade se expressa e vai demonstrando vida.

Eu passei 15 dias na asa norte para cuidar de uma gatinha e plantas de jovens brasilienses. Hoje, eu não moro mais aqui. Estou num lugar bem afastado de onde eu surgi. É tudo isolado, este convívio de cidade se perde em rotas dentro do meu carro e a única percepção que tenho, é o teste diário da minha paciência ao dirigir.

Meu pedido está quase pronto e bate um sentimento de estranheza e fascínio: então quer dizer que viver numa sociedade é assim? As pessoas estão nas ruas fazendo coisas normais e tudo parece extraordinário. Eram só músicos e chefs de cachorro quente fazendo o que eles sabem fazer de melhor.

  • SENHA TREZE!
  • É a minha! Valeu irmão, boa noite.

Nota Preventiva

Mais um texto brasiliense falando do plano piloto. Sim, porque talvez eu seja um brasiliense que já morou no plano piloto e sentiu coisas que, provavelmente, só plano pilotense sente. Isso não invalida o resto da cidade, eu só narrei um acontecimento num pedaço de Brasília. Eu sei que ela é maior que só as duas asas.

Revisão por Dona Angélica Pereira Schulz

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