Conheci minha amiga na piscina

Gabriel Schulz
3 min readDec 15, 2022

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Eu conheci minha amiga na piscina. A primeira vez que a gente se viu, nos cumprimentamos com sorrisos discretos e bem tímidos. Não trocamos palavras, não no mesmo instante em que esbarramos os olhares. Porque também estávamos ocupados com outras pessoas ao nosso redor.

Eu suava, era um dia quente e tinha acabado de sair da academia. Nem o banho do chuveiro desligado resolveu o calor que meu corpo emanava. Ainda com minha marmita de frutas em cubos em mãos (recomendação da nutricionista que me proibiu de comer frutas em formatos cilíndricos, porque em cubos meu corpo decidia funcionar direito), eu distribuía os olás por onde se via gente. A casa não estava tão cheia, mas era suficiente para ficar alguns minutos transitando de roda em roda.

Photo by Fernando Torres on Unsplash

Cheguei na piscina com a testa suada, ela me ofereceu um guardanapo e aceitei. Porém minhas mãos estavam ocupadas com a salada de frutas e um copo com o Suco Mais Gelado do Mundo. Ele realmente era bem gelado, beirando o congelamento. Meu amigo Suqueiro do Jiu-jitsu tinha uma fábrica de Sucos Gelados e dentro das instalações após muitas viagens, batalhas e pantufas invisíveis ele conseguiu achar o Gelo Infinito. Trouxe para Brasília meses depois numa mochila surrada e laranja da Quechua. Assim conseguiu montar seu Império de Sucos Gelados, que por sinal era a bebida principal da festa.

Ela percebeu a minha situação e mesmo sem perguntar o meu nome secou as gotas da minha testa. Dentro de mim existia uma erupção de emoções que só fez piorar a situação, suei mais e pedi licença. Precisava achar o banheiro mais próximo e me enfiar na privada, dar descarga e sumir daquele lugar. Me olhei no espelho, respirei fundo, molhei meu rosto e voltei para o lugar onde a deixei parada.

O sinal prateado debaixo do olho dela combinava com a minha cicatriz no tornozelo. Parecia que tínhamos um passado de encontros fantásticos, nos esbarrando em Espinhos da Memória dentro da tenebrosa Florestas das Formigas.

Uma viagem distante em ilhas pouco exploradas ou até caronas em discos nos céus, algo aconteceu entre nós dois e eu não sabia decifrar. Parecia que nossos sofrimentos um dia já foram chorados. Juntos debaixo de muita chuva, fome e um Jazz irritante. Mas isso era apenas um pressentimento, uma dúvida que me fazia coçar a ponta do meu bigode.

Pedi desculpas e voltamos a tentar conversar, porque até agora neste momento do texto ainda não trocamos uma palavra. Enfim, dei um oi para ela. Mesmo depois de tantos constrangimentos ela ainda estava ali, me esperando porque eu não sei, mas parecia querer ficar naquela parte da piscina. Tantos lugares para estar e outras pessoas para conversar.

Ela riu, tímida assim como nosso cumprimento lá no início. O calor aumentava, o gole do suco não era suficiente e eu queria mergulhar na piscina que estava à nossa esquerda. Contrariando todas as indicações da minha nutricionista, eu já não mais me importava com o instante ali. Apenas queria resolver uma possível situação constrangedora (mais?).

Você quer ver minha coleção de Magos Cangurus?

E foi ali que eu sabia. Não sei se eram magos que se transformaram em cangurus e decidiram praticar artes místicas em corpos de animais que pulam ou se cangurus decifraram os códigos dos livros e decidiram abdicar da vida selvagem na Austrália para se tornarem feiticeiros. As duas opções eram incríveis e eu sabia quem poderia me explicar.

Ué, quero sim, por que não né?

Engoli os cubos em formato de fruta, sequei minhas últimas gotas de suor. Coloquei o copo com o Suco Gelado no bolso e fui em direção ao fundo do quintal. Ali naquele instante mergulhei numa das minhas maiores aventuras.

Revisão por Dona Angélica Pereira Schulz

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