O Aconchego — Parte I
Qual bebida?
– CATUABA?! Por que você cometeria esse crime na festa?
– Ah sei lá vei, meio que pela ironia.
– Quem em sã consciência faria isso só pela piada?
– Até parece que você não me conhece né véi!
– Enfim. Pelo menos não fez. E cuidado, estamos em São Paulo ninguém fala véi.
– Ah sim, não me importo. Mas veja, ia ser engraçado. As pessoas questionariam minha escolha de bebida e aí eu contaria o motivo, todo mundo dando risada. Soltariam aquela indagação: pera, você não é daqui? Aí já era, nem perceberiam: quem é esse maluco? Veriam lá a garrafa de catuaba encostada, perguntariam: quem é que trouxe? Apontariam para mim e no meio do corredor: você é o doido que trouxe catuaba? Aí: sim, eu mesmo. O assunto vai e vem até que finalmente eu deixaria de sentir o nervosismo por ser a única pessoa da festa que ninguém conhece. Quando menos esperar, já estamos planejando uma viagem de galera para a Europa temática degustação de vinhos.
– Mas por que você cogitou trazer uma desgraça de Catuaba, tu acha que tá onde? No Carnaval de 2013? E por que toda hora você coça o braço aí no astronauta?
– Na verdade eu queria mesmo era trazer cerveja. Mas tudo nessa cidade é “ai traga um vinho”. Poxa, uma cervejinha bom demais. E não sei, acho que é o clima, sempre dá uma alergiazinha só nessa tatuagem, vai saber.
– Cerveja não véi! Tá fazendo 7 graus. Você tá maluco? Tu acha que tá onde, em Brasília?
– Você disse véi.
– Eu sei, a gente tá num elevador só nós dois, aqui pode.
– E que elevador hein, tu viu que para ir pro andar tem que estar com o Título de Eleitor em dia? Olha aqui os botões, parece uma urna e na hora de subir tinha que confirmar.
– Por que cerveja?
– Ah sei lá, eu amo muito cerveja e trouxe umas na mala, trazer um pouco de sabor para essa cidade cinza.
– E por acaso vinho é uma bebida sem gosto?
– Eu sei que vinho tem sabor, mas por favor deixa eu querer trazer uma cerveja.
– Cerveja não, essa festa não pede cerveja, tinha que ser vinho.
– Deixei no carro um whisky que comprei hoje, só acho aqui. A única coisa que me faz vir pra cá nessa friaca de garoa. Whiskys que não tem em Brasília. Mas achei que seria uma bebida de tiozão.
– Pelo amor de qualquer coisa, você está maluco. WHISKY?! Se tivesse uma máquina do tempo, eu não queria conhecer a bisa. Eu iria com um escapamento de moto na mão atrás de você hoje de manhã.
– Mas whisky nesse frio ia aquecer todo mundo na festa, iriam me agradecer, me parar no corredor e falar: nossa você é o cara que trouxe whisky? Obrigado, está tão gostoso toma aqui um charuto você parece ser muito sábio e entende de festa. Você não é daqui né? O resto você já sabe.
– Ninguém gosta de whisky, ninguém quer ingerir um líquido sabor de madeira com gosto de cedro e notas de sândalo. E ainda mais você, com esse ar de sabedoria contador de histórias, escritor bucólico que fuma charuto numa poltrona verde musgo numa biblioteca escura na casa de campo.
– É. No desespero eu tive que ligar para Minha Amiga que Entende Tudo de Vinho. Ela realmente entende de tudo. Provavelmente a inventora do vinho. Passei 3 horas na vinícola conversando com ela e com o vendedor. Até que ela perdeu a paciência, xingou todas as gerações do cara, pegou um avião e veio pessoalmente humilhar todas as pessoas do estabelecimento. Foi engraçado e constrangedor ao mesmo tempo. Conseguimos achar um bom vinho, até comprei uns para mim, se esse aqui não agradar e alguém não me esbarrar no corredor e falar: ei tu trouxe Aquele Vinho? Nossa, é um vinho muito raro de achar por aqui, só A Pessoa que Entende Tudo de Vinho acharia, você por acaso não é daqui né? Porque só alguém de fora conhece A Pessoa que Entende Tudo de Vinho. Eu teria que mentir porque a Minha Amiga que Entende Tudo de Vinho não gosta muito de ser conhecida. Mas aí eu sei lá, falaria que é sorte de turista querendo experimentar coisas novas. Eu não sei o que faria se isso não acontecesse. Talvez teria que apelar pela Catuaba.
– Pera aí. Não, não é possível. COMO ASSIM VÉI?! Tu comprou mesmo? Serião?
– Ei, relaxa, primeiro pare de falar véi, estamos quase chegando. E segundo, deixei no carro mas é só para emergências.
– Espero muito que Aquele Vinho seja bom mesmo.
PING! Portas de elevador abrindo.
Batida na porta de madeira, nada. Toca a campainha e lá no fundo, um som abafado: alguém aí viu a chave? Ah não, pera! Tá aqui já, nossa que lerda.
– Amigaaa! Quanto tempo, vem entra!