O Aconchego — Parte II

Por que você não me disse que ela é A Baterista?

Gabriel Schulz
4 min readAug 2, 2023

Antes de ler a parte 2 você pode ler a parte 1 aqui: Qual bebida?

Você deve estar se perguntando porque o título parece uma frase dita por alguém da conversa do elevador. Bom, se você se perguntou, a resposta é sim, um dos personagens fez essa pergunta na cabeça dele e mais tarde verbalizaria à surpresa ao se deparar com A Baterista. Se não, considerando que o título dessa parte 2 faça parte de um questionamento mental de um dos personagens já apresentados na parte 1, essa pergunta realmente foi pensada.

Um ar de susto preencheu o espaço que fica entre a porta do elevador e a entrada do apartamento. A estranheza do olhar do menino passou despercebida pelas outras duas pessoas do recinto naquele curto espaço de corredor do prédio. O elevador desceu numa velocidade que só elevadores modernos de São Paulo desceriam.

Foram alguns segundos para A Baterista perceber uma pessoa a mais ali na sua frente, tempo suficiente para o menino deixar de tirar a cara de que viu um fantasma (apesar dele realmente acreditar que sim, vira um fantasma de sonhos esquecidos em sua frente personificada como A Baterista). Sua irmã já foi logo explicando que trouxe seu irmão e que ela tinha avisado.

Foto de Steven Aguilar na Unsplash

– Ah sim amiga! Acho que você avisou sim, é ele que entende de bebida né?

Antes mesmo de abrir a boca.

– Ele mesmo, apesar dele quase ofender várias nacionalidades com seu gosto peculiar para bebidas de festa, ele conseguiu trazer algo saboroso.

As sobrancelhas já em formatos esquisitos, levantou a mão e…

– Mano, sem problema, nem precisava trazer! — neste momento olhares foram trocados — A festa já tá cheia de bebida. Assim, bebida no caso vinho, meu rôle gosta de vinho, vocês gostam de vinho? Espero que sim porque tem muito vinho, quase duas garrafas por pessoa. Vamos entrar logo, tem vinho esperando vocês eu já disse que gostamos de vinho?

As mãos tremiam e o caminho da porta até a sala parecia uma eternidade, um mini corredor aconchegante que dava entrada para uma sala espaçosa e cheia de planta. Os barulhos que eram distantes na hora do susto agora estão maiores, vozes, música tranquila, algumas risadas, vinhos, gins e (para uma surpresa dos dois brasilienses) cervejas sendo despejadas em copos e taças.

A mistura de incenso, cigarro, comida e garoa paulistana tomava conta dos aromas. Eles definitivamente estavam em uma festinha para íntimos. Rostos totalmente paulistas e desconhecidos tomavam a visão do menino, ainda assustado. Mas aos poucos ia se ambientando e os cheiros acalmavam, ele estava em seu ambiente natural.

E aos poucos sua personalidade estava a mostra na festa, enturmando em rodas de conversa, soltando assuntos diversos com estranhos que começavam a gostar de sua presença. Servia o vinho, dava uma visita na mesa de frios e perguntava onde ficava o lixo. Ria e fazia os outros rirem. Soltava umas perguntas malucas e saía da roda para ver a reação. Ensinava técnicas diferentes de abrir latinhas e garrafas. Se arranhou e fez um fósforo sumir (mágica básica para eventos sociais em que pessoas começam a ficar embriagadas então qualquer coisa era magnífica).

Mesmo com a estranheza em sua mente e o frio na barriga de estar na casa da A Baterista. Ele ia se soltando, não totalmente, uns trecos vinham em seu corpo e às vezes sua mente ficava confusa com pensamentos, foi se distraindo ao mesmo tempo que se atenta ao sustos de sua cabeça. Até que um susto real aconteceu:

– Quando sua irmã disse que você trouxe um bom vinho, ele realmente é. Acabei de tomar uma taça e estou degustando na minha cabeça aos poucos tentando entender a complexidade da uva.

3 segundos de susto — Ah sim, eu sempre tento… — 5 segundos de silêncio, aquele pois é no ar. Tentava no caso de não entrar em convulsão, A Baterista ali conversando com ele. Tudo dentro tremia e gelava, não conseguia focar em ser normal e a única coisa que conseguiu soltar foi:

– Onde é o banheiro?

– É ali no final do corredor, primeira porta à direita.

Ele entrou num corredor de aparência infinita — e realmente era. Foi difícil entender a cada passo dado na imensidão comprida que era aquela seção do apartamento, que parecia ser deslocada do resto. Inclusive da própria realidade. Os passos foram tão demorados que o próprio som da festa sumia. Algo distante estava na sua frente e algo exageradamente estava nas suas costas. Se questionou da decisão e não sabia se estava no meio do caminho. Foi tanto tempo que não lembrava mais qual porta era a do banheiro.

Chegou em uma porta comum de tamanho normal. A única diferença estava nos detalhes, roxo estelar e entalhes dourados. A maçaneta brilhava tanto que fazia sons celestiais, anjos cantando talvez? A festa já não era mais ouvida. Apenas a respiração do garoto e as canções vindas da porta? Da maçaneta? Do que estava do outro lado? Dos seus pensamentos confusos?

Se era a porta do banheiro ou não, decidiu entrar.

Esse texto que acabastes de leres é a segunda parte de uma primeira parte e que terão três partes (será?). Você pode ler clicando aqui.

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