Fui no mercado — parte I

Gabriel Schulz
4 min readApr 4, 2019

Esta crônica faz parte da Trilogia do Mercado, acompanhe aqui a primeira parte destas belas e incríveis histórias que se passam no lugar mais chato possível. Mas com sua beleza interior recheada de conhecimentos ocultos, os cosmos se unindo e o ser humano exercendo sua natureza da forma mais pura. Pegue seu carrinho, escute com atenção as promoções relâmpago do tio do microfone. Empurre as senhorinhas escolhendo mamão e faça olhares estranhos para aqueles que consomem a latinha de cerveja antes de passar no caixa. Ou apenas leia.

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Parte I

Eu precisava matar tempo. Nenhum lugar nas proximidades eram agradáveis o suficiente para ficar 2 horas esperando minha irmã. Nesse ínterim outras obrigações começaram a aparecer na memória. E, realmente, só esperar não era uma opção, tinha que resolver probleminhas diários.

Agora eu precisava ir a um hipermercado. Lá se encontra, em cada corredor, resoluções de problemas. Divaguei. Há de chegar o dia em que serei a única pessoa que ficou presa nesses mercados gigantescos. Pegar uns patins e desbravar os corredores, acampar, fazer um churrasco e se deliciar na parte de sorvetes. Assistir inúmeros filmes em 27 televisões diferentes, pegar o microfone e compor canções de promoções mais malucas possíveis.

Cheguei na seção no hipermercado onde meu problema seria resolvido. Olhei os produtos, comparei as marcas, vi meu saldo. Caixa. Débito. 7 selos para a promoção das panelas. Obrigado e boa noite. Tá. Agora eu tenho 1 hora e 45 minutos para matar o tempo.

O que fazer então para ocupar todos estes minutos? Os quais durarão horas no conceito de esperar alguém. Olho para um lado, olho para o outro e me vejo isolado e indeciso no estacionamento do Extra da 716 norte*.

Pausa.

Momento de reflexão: o hipermercado Extra está presente em boa parte da minha vida, como uma casa na praia que vamos de vez em quando.

Subo de volta na esteira rolante e vou lembrando das vezes que apostava corrida com a minha irmã para quem chegasse primeiro. Ou simplesmente lembro da vez que minha mãe ficou sabendo que o Extra estava com promoção de aparelhos de DVD Player, os primeiros em Brasília, e saiu correndo para comprar. E enfim, alugar vários filmes na Point Vídeo da 313 norte*.

Lembranças gostosas que preenchem um espaço de nostalgia. Que lindo, que mágico. Mas o que mais me pegou neste dia foi: estou com sede. Aqui você já deve imaginar a sabedoria, o conhecimento popular dos corredores de mercado.

As vontades que nos fazem ir a estes lugares quando não queremos. Precisamos ir mesmo estando mortos de cansados, devemos, porque na geladeira só tem uma garrafa de água e no armário um miojo velho sabor tomate (esse sabor deveria ser considerado um crime só por existir).

Uma vez, um grande amigo meu (saudades Arake) me disse: nunca vá ao mercado com sede. Ah! Mó nada a ver isso aí (tolo). Eu tinha 1 hora e 45 minutos para gastar. Fiquei horas olhando o Twitter e o tempo claramente não passava. Agora me restava a eternidade de 60 minutos no relógio.

— Onde é o bebedouro?

— Mas você não quer beber água, olha este corredor imenso cheio de caixas coloridas de sucos variados.

— Eles nem estão gelados…

— Idaí, olha aqui a quantidade de fanta uva!

— Estou parando com açúcar.

— Olha! Promoção no chá de limão da sua marca favorita!

— Mas eu quero água.

— Uau! Uma geladeira cheia de energéticos que vão te fazer mal!

Olhei os produtos, comparei as marcas, vi meu saldo. Caixa. Passa no vale? Mais 9 selos para a promoção das panelas. Obrigado e boa noite. Tá. Agora eu tenho 45 minutos para matar o tempo. E 27 litros das mais variadas bebidas para ingerir. Nenhuma delas estavam bebíveis na hora da compra. Fui para a fila de caixa rápido dos 15 volumes: eu tinha 14 bebidas e 1 pacote de Trident.

Continuei no Twitter que é um bom lugar para pedir socorro. Lá você dá vários alertas de como a sua vida é uma sequência de escolhas erradas. E de vez em quando, um pedido de socorro.

Apenas digitei: Me tirem daqui!

Afinal, fui socorrido.

As preces foram ouvidas.

Nunca na história deste menino a mensagem: pode vir me buscar foi tão significativo.

Eu seria um pouco imperador malvado ao terminar esta crônica com: nunca vá ao mercado com sede. Eu digo que: vá! Mas faça boas escolhas, afinal estamos em Brasília e sede é o que não falta nesse quadradinho seco. Hidratem-se.

Nota do Autor: Aos não brasilienses: os nossos endereços não existem ruas como é conhecido usualmente no resto do mundo. Boa parte da nossa orientação no DF e principalmente em Brasília (Plano Piloto) é por conglomerados de prédios. Eles podem ser duas categorias: comercial ou residencial. A ideia do Lúcio Costa para as ditas quadras (diferente de quadra de esportes) era ser um grande condomínio aberto de prédios, em que as quadras comerciais fossem a ligação entre as residenciais. E isso tudo montado em um grande plano cartesiano urbano, matemático e planejado. Os números que cito no texto (716 norte e 313 norte), significa a posição dos lugares em relação ao plano cartesiano de Brasília.

Leia os outros da Trilogia do Mercado

Parte II | Parte III

Revisão por Rainha Angélica Schulz

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