Fui no mercado — parte II

Gabriel Schulz
4 min readApr 9, 2019

Esta crônica faz parte da Trilogia do Mercado, acompanhe aqui a segunda parte destas incríveis e belas históriêtas que se passam no lugar mais imprevisível possível. Mas com sua previsiblidade interior recheada de conhecimentos malucos, os doidos se unindo e o ser humano exercendo sua natureza da forma mais destilada. Pegue sua cestinha, escute com atenção os corredores alheios. Empurre os universitários escolhendo vodka com energético e faça olhares estranhos para aqueles que consomem o Doritos antes de passar no caixa.
Ou apenas leia.

Photo by Kevin Grieve on Unsplash

Parte II

Era 2014, dentro de um mercado 24 horas. Jovens andando por corredores, tomando decisões questionáveis proporcionalmente ao que estava dentro de seus carrinhos de compras. Mais uma viagem universitária se aproximava.
A empolgação lá nas alturas, quase no pico das montanhas brasileiras (montanhas brasileiras?).

— Mas e aí, o que falta mesmo?

— Ainda não fomos na seção de jardinagem.

— MAS O QUE A GENTE VAI COMPRAR LÁ?!

— Sei lá, alguma coisa de útil.

— Depois a gente tem que passar na parte automotiva…

— QUÊ?!

E enfim, compramos uma linha para fazer varal. Não sei o que ela estava fazendo ali, mas encontramos esse produto entre os corredores de itens de carro e jardinagem. E eu te pergunto, como? Eu só sei que isso funciona, às vezes, por conta de um método.

Já me ensinaram uma vez, o melhor jeito para fazer compras é quando esquecemos a lista em casa. É passar por todos os corredores possíveis. Um por um, até forçar suas lembranças e fazer com que você compre todas as coisas da lista e mais um pouco. Mas é claro que este método é totalmente falível. Imagina se você fazer isso com fome? Ou com aquela vontade de comer um chocolatinho? Ou simplesmente está gripado e precisa de vitaminas (coitada da tia do verdurão).

Não se assuste, é mais comum do que parece. As pessoas fazem isso e sentem o maior orgulho dessa genialidade falha. Vi isso no IEMPUInstituto de Estatísticas do Meu Próprio Umbigo que funciona 68,7% das vezes. A ciência do mercado não é totalmente exata, mas está muito aberta a experimentações, tentativas e erros. Você pega um N amostral e aplica a certos grupos e percebe que alguns métodos são bons. O citado acima é bom (às vezes).

Venho apenas lembrar que ainda sou bem jovem. E algumas situações da minha vida mercadológica (e digo isso de mercado daqueles de compras mesmo, não o financeiro. Aqui é experiência de vida. Chupa cientificistas contábeis!) estão em constante crescimento. Falo isso porque boa parte das minhas narrativas em mercados se passam de madrugada ou tarde da noite.

Afinal, é esse horário que o jovem gosta de estar no mercado.

É?

E mais obviamente, ele não está lá para fazer compras sérias. O que uma pessoa de 21 anos coloca no carrinho de compras às 2 horas da manhã é sim duvidoso e claramente não são alimentos necessários para uma vida nutricional e saudável.

Qualquer ser humano decente que vai nesse horário fazer compras sérias sabe que é perigoso. Sua mente já está cansada e você começa a focar em um sentimento, ir para casa. Sair dali. Ninguém quer estar 1 hora da manhã pensando em como é que escolhe chuchu ou se comprar tal pão de forma de tal marca vale mais a pena do que a outra. Suas escolhas dentro do carrinho são duvidosas e quando percebe, já tem três engradados de energético no carrinho.

É aqui que o método citado no início do texto entra em ação. Ele pode ser eficiente quando você se encontra numa situação de quase morte por inércia dentro do corredor de laticínios. Você se arrasta no chão liso, não tem amostra grátis porque a pessoa que deveria estar na amostra grátis está plenamente dormindo e você aí fazendo compras na madrugada.

Enquanto isso…

Jovens gritando no corredor do lado: VAMOS LEVAR 24 LITROS DE FANTA LARANJA PRA VIAGEM VAI SER MÓ ENGRAÇADO!

Não existe graça nessa escolha de compra aleatória. Não existe graça quando você precisa suprir a necessidade da sua dispensa e da sua fome.

Existe graça quando: se depara com um Gabriel constrangido pelo funcionário do mercado, meu eu de 17 anos sem camisa, em cima de um carrinho de compras vazio, tentando alcançar sua roupa faltante que está em cima da gôndola porque tem um amigo sem noção que arranca camisas de distraídos e joga para cima. (Eu conto mais sobre essa história aqui).

Eu seria um pouco imperativo ao terminar esta crônica com: nunca vá ao mercado de madrugada cansado. Eu digo que vá. Você pode se deparar comigo passando por algum constrangimento ou fazendo escolhas de produtos duvidosos e acabar comprando a ideia. Vamos bater um papo.

Leia os outros da Trilogia do Mercado

Parte I | Parte III

Revisão da Querida Dona Angélica Schulz

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