Escrevo esta carta — parte 4

Gabriel Schulz
3 min readDec 28, 2022

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Te vejo através do vidro. Ano passado isso era um buraco e a piscina não aquecia porque o vento faz a curva bem aqui. Finalmente colocaram o prometido vidro e imagino o quanto deve estar quentinho aí nesse esforço aquático. Sinto cheiro de produtos químicos que deixam a água translúcida e conto quantas braçadas você dá para finalizar o percurso.

Você precisa diminuir pelo menos mais umas quatro braçadas, mas está quase lá. Acordar a essa hora é imoral e mesmo assim, tu estás de pé. Comendo paçoca e banana para aguentar 50 minutos intensos de piscina e água no ouvido. Imagina a quantidade de histórias perambulando na sua mente enquanto você dá socos, tapas, chutes e contorcionismos debaixo d’água.

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A mente se esvazia, inclusive suas tristezas vão descendo ralo abaixo. Eu sei que suas alegrias também vão embora. De forma que você não compreende, mas aceita, a vida continua e o tempo vai engolindo as noites chorosas. Companhias e momentos íntimos que aquecem seu coração, trazendo uma verdade de que tu era capaz de ser incrível ao estar com outra incredulidade. Afetos de uma pessoa normal te brilham os olhos: é possível sentir isso? Parecia como se fosse a primeira vez. Receber carinho nunca foi tão gostoso quanto naquelas vezes.

Apitos e acenos. A aula está acabando, sua metragem está no dobro da semana passada. Nadou como nunca para não se afogar. E mesmo assim, engoliu água o suficiente para uma morte na praia. Não tem problema, era bastante água para mais tarde chorar tudo. E você chorou.

É só uma pausa, o recesso está aí e as quadras de areia estão à sua espera. Areia na chuva, gramas com discos voadores e lesões musculares dando sinais de que você está vivo. Você sente dor e sempre tem alguém ou algo para tratar dos machucados. E o que melhor posso fazer por ti é sentir muito, assim como sempre sentimos.

Os festejos atléticos duraram pouco mas o que o modernismo chamado design trouxe para ti é perpétuo. Suas escolhas e aprendizados te levaram a caminhos que você passou os últimos três anos sonhando. Estão acontecendo na sua frente, comemore.

Assim como ergo agora uma taça de espumante a mais uma confirmação, você estará do outro lado do mundo logo mais. Encontrando parte de você em uma versão tão pequenina mas com tanta ambição que ela é capaz de dominar o mundo, o seu inclusive.

Os pés na areia de fevereiro se tornam lembranças calorosas de tempos simples, a calmaria das ondas nordestinas cantam em seu coração até hoje. O sal entrando na pele às 6 horas da manhã está grudado até hoje. Mesmo que as chuvas brasilienses escureçam suas alegrias, lembre-se de quem manda em tudo. Ele sabe.

Dois mil e vinte três, receba minhas lágrimas e pode vir que eu vou nadar com muita vontade.

Em 2019, criei a tradição de escrever uma carta todo fim de ano. Deu certo, deu ruim e deu bom. Estou feliz com essa ideia e pretendo seguir até o fim de minha vida.

As outras estão aqui:

Escrevo esta carta — Parte 1

Escrevo esta carta — Parte 2 (não tem link porque não publiquei, um dia quem sabe)

Escrevo esta carta — Parte 3

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